sábado, 29 de março de 2014

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vou ser trabalhador,
de borra tintas na mão
vou ter o meu salário
só para que o operário
viva ao ritmo do canhão.

num sono polifásico para maximizar a produtividade,
tratar gente por animais para potenciar a desumanidade
e na humildade do meu manto
mancho-me com o meu encanto

enquanto entoo esta canção,
sem censura que se lhe digne:
ninguém guarda o pastor,
o que eu digo cabe-me a mim.

fui homem de muitos amores
(se é que os posso chamar assim),
passaram por mim muitos autores
(poucos saíram como primeiro os vi).

dizem que nem homem sou,
que só sorrio porque outro se calou
mas o meu ofício só isso me permite:
sou feliz no teu silêncio, eu admito!,

mas lá porque sou pago por rabiscar o teu trabalho;
mas lá porque sou pago por fazer de ti o meu gado;
mas lá porque sou mau por te querer no caralho
não sou mais monstro do que quem quer a revolução,
eu vivo bem, se os outros não é mais problema deles do que meu:
cada um por si e todos pelos seus!
por entre mantos e véus promentem surgir
mas a verdada não é de ninguém,
só se a roubarem a quem a já tem.

terça-feira, 25 de março de 2014

o que sou quando não sou

quem foi que nos bordou cruéis?;
quem foi a mãe de trapos que nos teceu?;

com ceras e sedas,
alvos como a noite,
reflectidos numa foice,
fosse a morte quando fosse.

tecidos por mórias,
a dois suspiros dos restos do velho tirésias:
especo falésias e elas me engrandecem,
mais do que o cálice de onde beberam o meu sangue.

o corpo é fraco
e à carne faltam-lhe os anos que já tem:
parece borracha,
nem para os cães serve.

a alma aos poucos ferve,
sente o inferno que a há-de danar:
os corações foram pesados à nascença:
não valem a pena.

a crença é a única coisa que nos mantém suspensos por uma corda:
a uma faca de distância, a espera já está morta
e anseio por nascer:

uma palmada no rabo,
chupeta na boca
e um anjinho de prata,
pronto para errar outra vez.

segunda-feira, 3 de março de 2014

A lua cínica saiu por onde entrou
Com o seu velho vestido
Cor de mel
Mas sem palavras para mim;
Não, o Tempo nunca foi da pele que lavrou
Não, correr nunca foi fugir do fim.